quinta-feira, 13 de maio de 2010

Mídia e Educação







Maria Inês Ghilardi-Lucena
Centro de Linguagem e Comunicação, PUC-Campinas







Nossa proposta é iniciar um debate que se estenda para além do uso do jornal na sala de aula – tema deste Seminário – e refletir sobre as relações de outras mídias com a educação. O mundo atual depende cada vez mais dos veículos midiáticos e a escola, como parte da sociedade, não deve deixar de incorporar as inovações tecnológicas deste início de século.



Uma das características mais marcantes do mundo atual é a influência dos meios de comunicação de massa (mídia) na vida cotidiana. Por isso mesmo estamos freqüentemente presenciando uma polêmica sobre os benefícios e os malefícios do poder da mídia.



No que diz respeito à importância do jornal na Educação tem-se debatido, estudado, enfim, parece que o jornal está (sendo) incorporado aos modernos estudos nas diversas áreas do conhecimento. Já é consensual o fato de que o jornal pode e deve estar presente na escola. É claro, também, que esse debate não se esgotou.



Entretanto, discutiu-se muito menos sobre as outras mídias, por exemplo a rádio e a TV educativas, o uso da programação da televisão aberta e de ferramentas eletrônicas, da Internet, do cinema, de revistas não acadêmicas de circulação nacional, que poderiam auxiliar professores e alunos ao serem incorporados à sala de aula servindo de instrumentos pedagógicos. Atualmente, há grande necessidade de reflexões sobre como aproveitar os recursos da Internet sem que os alunos percam a criatividade, não permitindo que seu uso fique reduzido a “copiar” trechos e textos sem critério.



Considerando que esses meios evoluem e modificam-se rapidamente e, ao que parece, a escola nem tanto, nossa reflexão caminha no sentido de ajustar as relações entre as instituições de ensino e os modernos recursos midiáticos. Parece que, na realidade da sala de aula, muitos se inibem, têm dúvidas, medo de arriscar, ousar, ou, então, as dificuldades, os empecilhos do sistema escolar provocam desânimo.



Neste momento, faremos algumas considerações sobre o uso da programação comum da TV na escola e um breve comentário sobre a Internet e a mídia em geral.



Há educadores que são totalmente contra o uso da televisão na escola. Dizem que quanto menos TV, principalmente para as crianças, melhor, mesmo que se pense nos bons programas, excluindo os reality shows e programas de baixa qualidade. Argumentos não faltam: quanto maior o número de horas diante da televisão, mais aumenta o risco de violência, devido a uma tendência de imitação de comportamentos violentos; a TV é para entretenimento, a escola é para estudar etc.



O jornalista e professor Eugênio Bucci, em sua coluna De olho na televisão, publicada na revista Nova Escola (março de 2002), critica a programação televisiva por não possibilitar o desenvolvimento do raciocínio do telespectador. Segundo ele, “ver TV, quase sempre, é sinônimo de pôr o raciocínio em repouso”, ou seja, “não se aprende a raciocinar vendo TV.” No entanto, “existe hoje um certo endeusamento da televisão como ferramenta da educação. É um endeusamento indevido. (...) A TV pode ajudar o professor, mas jamais substituí-lo. Pode até ilustrar as lições, mas jamais guiar o pensamento abstrato, feito de palavras e números. (...) O raciocínio não é entretenimento, mas trabalho mental.” O autor termina o texto dizendo que a televisão “não é capaz de pegar o aluno pela mão e levá-lo aos passeios do raciocínio. Para isso existe o professor, o diálogo, a palavra escrita, o número e a escuridão do que ainda está por ser conhecido.”



A falta de criatividade do jovem – tão apontada por docentes como sendo um dos grandes entraves para os exercícios de produção de texto – parece ter estreita relação com a exposição da criança e do jovem à televisão. A produção dos alunos tem sido “uma espécie de cópia dos padrões consagrados pela televisão”. Bucci (jan./fev. de 2002), em outro texto, diz que:



Já não é mais na escola que a criança aprende a separar o feio do bonito, o certo do errado, a virtude do vício. É na mídia que ela aprende isso. A função de hierarquizar os valores, que já coube à religião e, até meados do século XX, também à instituição escolar, encontra-se hoje usurpada pela tela da TV. Não é fácil. O professor se sente “competindo” com a mídia. Ele precisa ensinar valores éticos e estéticos que a TV “desensina”.



Outro problema causado pela exposição de crianças (adolescentes e adultos também) por muitas horas em frente à TV é a falta da interatividade característica desse meio de comunicação. O telespectador não tem a oportunidade de construir seu próprio discurso – mesmo em relação àqueles programas que se dizem interativos – por não poder dialogar com a televisão. Se partirmos da idéia de que o eu só se constrói na relação com o outro, falta aí a interatividade necessária à constituição do sujeito.



Entretanto, não é fingindo que a TV não existe que resolveremos os problemas da educação. Esse veículo midiático está em quase todos os lares e a grande maioria dos alunos está exposta à sua programação pelo menos em um período do dia. Os estudantes, assim como a maior parte da população em geral, assistem à televisão. E será que ela só traz aspectos negativos ao ser utilizada na escola? Assim, estudá-la e olhar criticamente para sua programação pode ser um caminho para não se deixar “contaminar” pelos males que ela possa causar.



Se o jornal tem auxiliado muito no processo educativo, proporcionando a possibilidade de leitura crítica de seus textos, com a televisão poderá ocorrer o mesmo, e ainda ampliar-se o rol de gêneros de textos a serem estudados, pois esse veículo contém a imagem em movimento, além da palavra, formando um conjunto intersemiótico para ser lido e estudado.

Quanto à Internet, fenômeno mais recente, seu uso vem trazendo uma nova discursividade, uma nova linguagem que, é lógico, também necessita de estudos e debates para que se possa conhecê-la e tirar proveito para o trabalho pedagógico. Ela está se tornando cada vez mais necessária para todos, como o telefone e o automóvel e poderá mudar substancialmente muitos dos nossos hábitos; ela chegou para transformar a nossa história. Seu uso cresce tanto que os textos virtuais terão (até já estão tendo) outros suportes que não o computador pessoal daqui a pouco tempo: telefone celular, televisão ou algum outro utensílio.



O interessante é que ela cria um novo espaço de comunicação, diferente, direto, nem sempre mediado pela imagem (como na TV) e cria a possibilidade de diálogo. Não há o emissor unilateral, não há centralização de produção, de poder. Seu uso torna-se imprescindível à escola, aos professores e alunos.



No entanto, a maneira como utilizá-la deve ser bem direcionada para que não prejudique a educação das crianças e adolescentes. Há várias questões a serem discutidas, sobretudo quando pensamos na leitura com esse novo suporte (virtual) de textos: a enorme quantidade e velocidade de informações da rede; a qualidade de seu conteúdo; o acesso a essas informações; a constituição da identidade, da subjetividade do leitor e o papel do professor.



Nesse contexto, a orientação dos professores é fundamental. Mas as relações dos docentes com a Internet é outra questão merecedora de reflexão. Faz-se necessária, portanto, a discussão sobre como aproveitar os recursos da Internet sem que os alunos percam a criatividade. O professor deve estar bem preparado para auxiliar os estudantes e também ser leitor de textos virtuais.



Nos últimos anos houve uma mudança na situação educacional da sociedade: nos anos 60, as crianças eram “educadas” pelos pais, pela escola, pelo cinema e pelos amigos; hoje, esse papel está distribuído entre a televisão (principalmente), os jornais, as revistas e a Internet. É, portanto, crescente importância da mídia como instrumento de informação no cenário do país e como formadora de opinião. Se eliminarmos a idéia de que a educação deve se restringir à escola, quando, na verdade, está articulada com toda a sociedade como instrumento essencial na formação do indivíduo, os meios de comunicação poderão ser vistos como auxiliares na construção da cidadania. Para isso é necessária, por um lado, a conscientização dos profissionais da mídia de seu papel como agentes dos processos educativos em favor da população; por outro, a formação de educadores para dialogarem com a mídia e serem críticos dos veículos.



Em favor do uso da mídia na formação do cidadão, José Marques de Mello (1999: 41, 42) diz que “uma notícia de jornal conduz a um filme, um seriado de televisão estimula a leitura de um livro, um programa de rádio incita à audição de um disco, um filme motiva a compra de um fascículo ou uma revista.” Assim, teremos cidadãos instruídos que exigirão melhor qualidade da programação de tais veículos. O autor mostra que a “própria indústria midiática, estruturada segundo as regras da economia de mercado, procura captar os anseios dos consumidores, atuando em consonância com as suas expectativas. E quanto maior for a competição entre as produtoras, mais benefícios terão os consumidores, pela variedade de opções existente” (p. 41).



Ler o discurso da mídia é condição para a inserção do sujeito na sociedade e na História de seu tempo.



O acesso à leitura – um bem cultural – deve ser oportunizado a todos os cidadãos. Ler a palavra escrita, a palavra oral, a palavra não-dita, implícita no contexto ou em uma imagem, e depreender o sentido que emana de fatores lingüísticos e extralingüísticos torna-se prioridade na escola e fora dela. O analfabeto, hoje, não é simplesmente aquele que não sabe ler ou escrever, mas o que não compreende os textos que o circundam (Ghilardi, 1999: 107).



O novo deve ser estudado na escola, que continuará seu papel de investir na construção do saber, não se omitindo de participar dos acontecimentos ao seu redor. Ainda nesse sentido, citamos Citelli (35) que defende a idéia de que a inserção da escola no ecossistema comunicativo é um desafio para todos os educadores:



A escola, enquanto instituição privilegiada no contexto da formação da sociabilidade, deve otimizar o seu papel, ampliando o conceito de leitura e aprendizagem, equipando-se para entender melhor os significados e os mecanismos de ação das novas linguagens, interferindo para tratar as mensagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa à luz do conceito de produção dos sentidos, algo que se elabora por uma série de mediações e segundo lugares específicos de constituição, que incluem interesses de grupos, valores de classes, simulacros, máscaras etc.



Concluindo, nossa tentativa, aqui, é a de mostrar que:

· a mídia sozinha não muda o comportamento da pessoas;

· ao lado da mídia existem outros mecanismos e agências socializadoras como a família, a Igreja, o grupo profissional, a comunidade e a escola;

· é necessário conhecer com profundidade os vários veículos midiáticos para que se possa criticá-los e usufruir de seus benefícios;

· há experiências positivas do uso da mídia na escola;

· os projetos de estudo dos textos midiáticos são programas de incentivo à leitura;

· o papel do professor é fundamental no uso que se faz da mídia.



Objetivamos levantar questões para um debate que apenas se inicia e criar espaço para a discussão sobre as relações da mídia com a educação. Assim, indagamos:



· Será que a educação é que deve preocupar-se com a mídia, incorporá-la em seus projetos, ou a mídia é que deveria dar (mais) espaço à educação?

· Qual é o papel da rádio e da TV educativas?

· Como os meios de comunicação podem contribuir significativamente para a preparação do educando para a conquista da cidadania?

· Que a mídia influi na educação e é formadora de opinião, é fato. Então, se houvesse maior preocupação dos meios de comunicação com a formação das crianças e dos jovens, muitos problemas educacionais estariam resolvidos. Ou será que investir em educação não traz retorno publicitário e econômico aos veículos midiáticos?

· Qual é o real papel da escola? Dar educação formal e possibilitar a apropriação e a assimilação de conhecimentos e habilidades úteis e/ou necessárias à vida do indivíduo dentro da vida social? Há os que acreditam que ela é a “redentora universal da sociedade, na esperança de que sua ação possibilite a eqüidade social“; há os que “entendem que a escola só pode servir para a reprodução do modelo social, pois ela sempre esteve a serviço das classes dominantes, através da reprodução dos seus valores ou por meio da violência simbólica, inculcando valores dominantes e criando hábitos permanentes de pensamento e conduta” (...) e há os que “consideram que a escola pode ter um papel no processo de transformação da sociedade, não propriamente como um mecanismo social ao lado de outros, que possibilita o encaminhamento da transformação (Luckesi, 1986: 37).



A busca de soluções para os problemas das escolas que não conseguem/conseguiram acompanhar a evolução dos tempos e tirar proveito das relações com a mídia deve ser coletiva, mas o esforço individual conta muito nesse momento.

Esperamos incentivar trabalhos e propostas de pesquisa, que contribuiam para a reflexão dos envolvidos com a educação e gerar, então, mudanças de atitude que possam aprimorar nossas escolas.







Referências bibliográficas



BUCCI, E. As tristes cópias do medíocre. In Editora Abril, Nova Escola. Janeiro/fevereiro de 2002, p. 12.



BUCCI, E. O raciocínio e o entretenimento. In Editora Abril, Nova Escola. Março de 2002, p. 14.



CITELLI, A.O. Educação e mudanças: novos modos de conhecer. In CITELLI, A.O. (coord.) Outras linguagens na escola: publicidade, cinema e TV, rádio, jogos, informática. Coleção Aprender e ensinar com textos, v. 6, São Paulo: Cortez, 2000, p. 17-38.



GHILARDI, M.I. Mídia, poder, educação e leitura. In BARZOTTO, V.H. e GHILARDI, M.I. (orgs.) Mídia, educação e leitura. São Paulo: Anhembi-Morumbi/ALB, 1999, p. 103-112.



LUCKESI, C.C. Presença dos meios de comunicação na escola: utilização pedagógica e preparação para a cidadania. In KUNSCH, M.M. (org.) Comunicação e educação – caminhos cruzados. São Paulo: Loyola/ AEC do Brasil, 1986.



MELLO, J.M. de. Estímulos midiáticos aos hábitos de leitura. In BARZOTTO, V.H. e GHILARDI, M.I. (orgs.) Mídia, educação e leitura. São Paulo: Anhembi-Morumbi/ALB, 1999, p. 39-47.

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